Com a divulgação de uma minuta de resolução que tem como principal objetivo regulamentar o uso de inteligência artificial nas eleições municipais deste ano, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) busca ampliar a responsabilização de big techs por conteúdo publicado em redes sociais.
Ponto-chave da proposta do tribunal, que ainda deve ser aprovada no plenário da corte, é atribuir responsabilidades aos chamados “provedores de aplicação de internet” que veiculem conteúdo eleitoral.
Eles devem, segundo o texto, adotar e publicizar “medidas para impedir ou diminuir a circulação de conteúdo ilícito que atinja a integridade do processo eleitoral”.
Entre essas medidas estão garantias de “mecanismos eficazes de notificação, acesso a canal de denúncias e ações corretivas e preventivas”.
Também estabelece regras sobre outras questões relacionadas à propaganda eleitoral na internet, como impulsionamento de conteúdos pelas empresas e as lives eleitorais.
O que o TSE tem destacado do texto é, sobretudo, a obrigatoriedade de a propaganda eleitoral informar explicitamente o uso de conteúdo fabricado ou manipulado por meio de tecnologias digitais.
As propostas vêm no esteio de vácuos do Legislativo em relação ao tema, apesar de diversas cobranças dosministros da corte eleitoral no último ano.
Em vários discursos, o presidente do tribunal, Alexandre de Moraes, defendeu punições ao uso de inteligência artificial para manipular eleições.
“Manipulou o eleitor, ganhou a eleição, multa. A sanção deve ser drástica. Quem se utilizar de inteligência artificial para manipular a vontade do eleitor para ganhar as eleições, se descoberto for, cassação do registro, e se for eleito, cassação do mandato”, disse, em dezembro.
À época, Moraes reforçou um pedido regulamentação da ferramenta pelo Congresso.
Também disse que, apesar de ser um avanço tecnológico, a inteligência artificial pode ser desvirtuada pelas big techs e, por isso, elas devem ser responsabilizadas.
A ausência dessa regulamentação é vista por observadores como um dos motivos para que o tribunal proponha uma resolução sobre o tema.
“No ciclo eleitoral de 2024 não tivemos uma reforma aprovada pelo Congresso, a proposta passou apenas pela Câmara dos Deputados, contudo não foi adiante no Senado”, afirma Edson Borowski, servidor da Justiça Eleitoral e membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político).
“É importante chamar a atenção que os espaços da internet (mídias sociais e apps de mensagens) têm sido o principal foco da intervenção da Justiça Eleitoral, pelo menos, desde as eleições de 2018”, afirma.
O texto ainda vai ser debatido em audiência pública no dia 25 de janeiro, antes de ir ao plenário da corte, mas já divide especialistas. Os questionamentos vão de falta de clareza a entraves para o cumprimento das normas.
“Cria-se o dever de transparência sobre os provedores de aplicações de internet na prestação de serviços de impulsionamentos de conteúdos, ainda quando verificados em período anterior ao das campanhas eleitorais”, diz Alexandre Freire Pimentel, desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco e também membro da Abradep.
No entanto, apesar de obrigações de transparência sobre publicidade e sobre valores pagos, Pimentel diz que não há meios tecnológicos eficazes para determinar a real dimensão dos impulsionamentos.
“Os sistemas utilizados pelos provedores são redes neurais opacas e os seus códigos-fonte são protegidos pela garantia do sigilo industrial e comercial”, afirma. “A lei isenta de responsabilidade os provedores quando não puderem atender às ordens judiciais por impossibilidades técnicas de seus sistemas.”
“Assim, a eficácia dessa regra dependerá, principalmente, da cooperação das big techs”, acrescenta Pimentel.
Segundo o advogado Raphael de Matos Cardoso, doutor em direito de Estado, “não está claro como será o controle do uso da inteligência artificial, já que o Brasil ainda não tem regulação a respeito”.
O advogado especializado em proteção de dados e inteligência artificial Daniel Becker questiona a responsabilização das empresas caso sejam publicadas informações erradas.
“Imputar aos provedores o ônus de disponibilizar informações distorcidas que não são produto direto de sua atuação é uma escolha injusta, e que desonera o verdadeiro responsável pelo ilícito”, diz Becker.
Como ainda não foi aprovado, o texto da minuta ainda pode ser modificado e está aberto a sugestões que podem ser enviadas para o site do TSE até 19 de janeiro.
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