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Banco Central atravessa 2023 sem leilões extras de dólar pela 1ª vez em 24 anos


Em uma operação chamada de “swap” (troca, em inglês), o BC opera com contratos financeiros. Nela, há simultaneamente a troca de taxas ou rentabilidade de ativos

Foto: Lula Marques / Agência Brasil

O Banco Central atravessou 2023 sem ter realizado leilões extras de dólar em meio a um cenário de baixa volatilidade do real e de forte fluxo comercial. Essa foi a menor intervenção da autoridade monetária desde a adoção do regime de câmbio flutuante no país, em 1999. A informação foi publicada pelo Valor e confirmada pela reportagem. No ano passado, o BC não registrou leilões extraordinários de contratos de swap cambial e conduziu apenas as rolagens integrais já previstas no cronograma ao longo dos meses.
Em uma operação chamada de “swap” (troca, em inglês), o BC opera com contratos financeiros. Nela, há simultaneamente a troca de taxas ou rentabilidade de ativos. O objetivo é prover proteção contra variações excessivas do dólar em relação ao real (hedge cambial) e liquidez ao mercado doméstico.

A compra de contrato de swap pela autoridade monetária funciona como injeção de dólares no mercado futuro e quem compra está protegido em caso de desvalorização do real. É um instrumento usado pelo BC para evitar disfunção no mercado de câmbio, assegurando que haja oferta para atender a um aumento de procura pela moeda estrangeira. Em 2023, o BC também não efetuou compra ou venda de dólares no mercado à vista. Nessa modalidade, a autoridade monetária vende reservas internacionais, sem compromisso de recompra, e o dinheiro é injetado no mercado. Foi uma alternativa mais recorrente no governo de Fernando Henrique Cardoso, durante o câmbio fixo.

A instituição também não promoveu novos leilões de linha no ano passado. Nesse caso, o BC também vende reservas internacionais no mercado à vista, mas com o compromisso de recompra em um prazo determinado. Além de aliviar as pressões por demanda de dólar em momentos mais sensíveis, preserva o colchão financeiro por funcionar como uma espécie de empréstimo de moeda estrangeira.

Para Cristiane Quartaroli, economista do Ouribank, o BC não viu necessidade de fazer novos leilões ao longo de 2023 por causa do comportamento “um pouco mais benigno” do câmbio no ano. A cotação do dólar caiu de R$ 5,34 a R$ 4,84 na última temporada. “Houve períodos de um pouco mais de volatilidade, mas não o suficiente para fazer com que o BC visse necessidade de fazer leilão para ajustar o valor da cotação”, diz.

Ela ressalta o cenário mais positivo da economia brasileira ao término do ano, com recuo da inflação, ciclo de queda de juros e elevação da nota de crédito soberano do Brasil por agências de classificação de risco, o que colabora para um câmbio mais comportado.

Para Carlos Kawall, sócio-fundador da Oriz Partners e ex-secretário do Tesouro Nacional, a menor intervenção do BC é explicada principalmente pelo forte fluxo comercial de câmbio no mercado à vista, impulsionado pelo superávit recorde da balança comercial de quase US$ 100 bilhões. “Não houve necessidade de o BC suprir adicionalmente o mercado spot [à vista] de linha durante ou mesmo ao fim do ano, como em anos anteriores. Ainda, houve ao longo do ano passado o vencimento de US$ 13 bilhões em linhas fornecidas ao final de 2022”, diz.

O economista ressalta que o país está passando por mudanças estruturais, tendo o superávit comercial sido puxado pelo forte aumento dos volumes exportados de commodities agrícolas, minérios e petróleo. “Ficamos, assim, menos dependentes dos fluxos financeiros. O déficit em contas correntes caiu de uma média de 3% do PIB [Produto Interno Bruto] nos últimos dez anos para cerca de 1,5% do PIB”, afirma.

Ele admite surpresa com o cenário, ressaltando que não era esperado um superávit comercial tão expressivo como o realizado. “Foi um ano muito turbulento, mudança de regra fiscal, quebra de bancos nos Estados Unidos, guerra no Oriente Médio e forte alta dos juros de longo prazo nos EUA”, diz. De acordo com Reinaldo Le Grazie, sócio da Panamby Capital e ex-diretor do BC, o fluxo “muito positivo” de 2023 talvez tenha contrabalançado um movimento que vinha de anos anteriores e pesava na volatilidade do câmbio, como a desalavancagem -redução das dívidas- de grandes empresas, como a Vale.

Ele cita também como contribuição para “calmaria” o fim do overhedge cambial -proteção excessiva dos bancos em moeda estrangeira no exterior. “Foi o suficiente para manter o mercado irrigado sem necessidade de o BC comprar dólar”, diz. “Sempre que tem menos intervenção é bom para economia, principalmente para quem tem cabeça mais liberal.” Para 2024, os economistas consideram que a volatilidade do câmbio no Brasil dependerá da condução da política de juros do Fed (Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos) e de riscos geopolíticos no cenário global.

No ambiente doméstico, a trajetória das contas públicas é a principal preocupação dos economistas. Há ceticismo com a viabilidade da meta de déficit zero neste ano, como defendida pelo ministro Fenando Haddad (Fazenda). “O risco é a nossa situação fiscal, que se fragilizou com o déficit e a dívida pública em alta”, diz Kawall. Quartaroli acrescenta que o país deve ter menor arrecadação de receitas neste ano com a projeção de crescimento menor do PIB. “Se a gente continuar aumentando o gasto e a conta fiscal não fechar, isso tende a ser um risco”, afirma.

Sobre a atuação do BC para o cenário à frente, Le Grazie diz que é difícil descartar futuras interferências no caso de países emergentes, como o Brasil, que ficam mais sujeitos a variações cambiais. “No pronto [mercado à vista] e em swap, não vejo mudança de atuação, de estratégia. Acho que houve uma mudança de comportamento em 2023 em função das condições de mercado. É difícil imaginar que a gente, daqui em diante, nunca mais vai ter de fazer intervenção”, diz. “Já no [leilão] de linha, ficou evidente que o mercado se ajeita e não precisa da participação do Banco Central”, afirma. (Nathalia Garcia/Folhapress)

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